Análise dimensional
Formalização via Teorema de Buckinham-Pi.
Se uma equação expressa verdadeiramente uma relação adequada entre variáveis em um processo físico, ela será dimensionalmente homogênea; isto é, todos os seus termos aditivos terão a mesma dimensão.
Observe que $$ [h] = [h_0] = L, \quad [v_0] = L T^{-1}, \quad [t] = T, \quad [g] = LT^{-2} $$ de forma que $$ [h] = [h_0] = L, \quad [v_0 t] = [v_0][t] = L T^{-1} T = L, \quad \left[\frac{g}{2}t^2\right] = [g][t]^2 = LT^{-2}T^2 = L, $$ ou seja, todos os termos aditivos tem a mesma dimensão $L$ de comprimento.
onde $m$ é a massa do objeto.
ou seja, todo os dois termos aditivos têm dimensão $MLT^{-2}$.
Aproveitamos o exemplo acima para ilustrar que o processo de derivada acarreta em incluir uma potência no denominador, relativa à dimensão da quantidade em relação à qual se está derivando.
Mais precisamente, se temos duas quantidades variáveis $x$ e $y$ e queremos olhar para a dimensão da taxa de variação de $y$ em relação a $x$, então
onde $G$ é uma constante chamada de constante universal.
Podemos checar a consistência dessa relação à luz do princípio da homogeneidade dimensional.
A constante universal é uma constante obtida empiricamente e é dada mais precisamente por
de modo que $$ [F] = \frac{L^3}{MT^2}\frac{M^2}{L^2} = \frac{ML}{T^2} $$ o que está de acordo com a dimensão de força.
Ou Teorema Pi de Buckingham ou Teorema Buckingham-$\mathbf{\Pi}$
O teorema foi proposto em 1914 por Buckingham. O nome Pi se deve a notação matemática $\Pi$ para um produtório, neste caso, um produto de grandezas (variáveis e parâmetros), dado que os grupos adimensionais fornecidos pelo teorema são produtos de potências (inteiras) de notados por originalmente por $\pi_1$, $\pi_2$, etc.
Os fundamentos do método de análise dimensional repousa em duas hipóteses:
Teorema (Buckingham-Pi) Considere um sistema com $n$ quantidades $q_1, \ldots, q_n$ em que $m$ dimensões fundamentais estão envolvidas. Então, $n-m$ grandezas adimensionais $\pi_1,\ldots, \pi_{n-m}$ podem ser definidas como potências das quantidades originais (um monômio nessas quantidades).
$$ f(q_1, \ldots, q_n) = 0, $$Além disso, cada equação (escalar) entre essas quantidades,
dado em modelo matemático associado ao sistema, pode ser substituída por uma relação correspondente entre os $\pi_i$: $$ f^*(\pi_1, \ldots, \pi_{n-m}) = 0 $$
As quantidades $q_i$ incluem tanto variáveis (e.g. posição) como parâmetros (e.g. aceleração da gravidade).
Cada equação do modelo pode contemplar vetores, matrizes, etc, porém, para o objetivo da análise, todas as componentes escalares devem ser tratadas separadamente como quantidades.
No centro da demonstração está o Teorema do Núcleo e da Imagem.
Queremos saber para quais escolhas de $r_i$ o produto é adimensional.
Para ver isso, olhamos para a dimensão do produto e substituímos cada $[q_i]$ em termos de suas dimensões fundamentais.
Se temos apenas $m$ dimensões fundamentais $D_1, \ldots, D_m$, então essa substituição dá origem a um produto
onde cada $s_j$, $j = 1, \ldots, m$, é uma combinação linear dos $r_i$, $i = 1, \ldots, n$.
Isso nos leva a um sistema linear homogêneo de $m$ equações lineares para $n$ incógnitas $r_1, \ldots, r_n$.
Ou seja, reduzimos o problema a se determinar o núcleo de uma matriz de tamanho $m \times n$, associada ao sistema linear, i.e.
Ou seja, a dimensão do núcleo é no mínimo $n-m$.
Portanto, teremos no mínimo $n-m$ soluções linearmente indepentes, $r_k$, $k=1, \ldots, n-m$.
Cada solução $r_k=(r_{k,1}, \ldots, r_{k,n})$, $k=1, \ldots, n-m$, nos dá uma quantidade adimensional
A dificuldade aqui é obter a relação inversa da dependência dos $q_i$'s nos $\pi_k$'s.
De fato, isso é, em geral, impossível para todos os $q_i$'s, pois usualmente temos mais grandezas $q_i$, $i=1, \ldots, n$, do que quantidades adimensionais $\pi_k$, $k=1, \ldots, n-m$ (e equações correspondentes).
Mas podemos resolver para $n-m$ grandezas:
Vamos rever o exemplo do pêndulo, tratado no terceiro caderno, à luz do Teorema de Buckingham-Pi.
As variáveis envolvidas na descrição do fenômeno são o ângulo $\theta$ e o tempo $t$. E os parâmetros são a massa $m$ do prumo, o comprimento $\ell$ da haste rígida e a aceleração da gravidade $g$.
Observe que agora estamos considerando o ângulo, que nao consideramos anteriormente, mas observe também que o ângulo é uma quantidade adimensional, pois podemos enxergá-lo como a razão entre o comprimento do arco $r\theta$ que ele descreve em uma circunferência e o raio $r$ da mesma.
Assim, temos $[\theta] = 1$ (adimensional), $[t]=T$, $[m] = M$, $[\ell] = L$ e $[g]=LT^{-2}$. Portanto, temos as dimensões fundamentais $L$, $M$ e $T$.
Ou seja, na notação do teorema, temos $n=5$ grandezas físicas e $m=3$ dimensões fundamentais.
Assim, $n-m=2$ grandezas adimensionais $\pi_1$ e $\pi_2$ podem ser escritas como potências dos parâmetros e das variáveis originais.
Como $\theta$ já é adimensional, podemos tomá-lo como uma dessas duas quantidades. Falta encontrar a outra.
para $s\in \mathbb{R}$ qualquer. Isso nos dá $$ \pi_2 = t^{2s} \ell^{-s}g^{s} = (t^2\ell^{-1}g)^s. $$
Uma solução em particular é com $s=1/2$ (apenas escolhido para que a potência em $t$ seja $1$, nada mais).
Nesse caso, temos a quantidade adimensional
Na análise acima, a quantidade $t$ é uma variável do problema. A relação não diz que $\pi_2$, e consequentemente $t$, é constante. Apenas diz que a quantidade $\pi_2 = t\sqrt{g/\ell}$ é adimensional.
Além disso, nada na análise dimensional acima diz que o movimento do pêndulo é periódico.
Mas se intuírmos, através da observação, que o movimento é (aproximadamente) periódico, então o período é uma grandeza característica do problema.
E se consideramos esse período $\tau$ como parâmetro no sistema, no lugar da variável $t$, então obtemos a relação adimensional
Na análise acima, obtivemos as grandezas adimensionais $\pi_1 = \theta$ e $\pi_2 = \tau\sqrt{g/\ell}$. Nada afirma que elas sejam constantes.
Mas é razoável assumirmos que haja uma relação entre essas quantidades da forma
Isso nos dá $\pi_2 \approx A(\pi_1)$, para $A(\pi_1) = - f_{\pi_1}(\pi_1,0)/f_{\pi_2}(\pi_1, 0)$.
Portanto,
Considerando um certo fluido sob pressão $p$ e densidade $\rho$.
Assumindo a hipótese de que a velocidade $v$ do som nesse meio depende apenas dessas duas quantidades, como podemos deduzir uma relação entre elas?
Temos que a pressão é força por área e que a força é $ML/T^2$, logo
com $\gamma$ qualquer.
Ou seja, mesmo nesse caso em que $m=n$, ainda temos um sistema degenerado, com um núcleo de dimensão $1$.
Assim, obtemos
No problema da velocidade do som em um meio, o que acontece no caso de assumirmos que as únicas quantidades relevantes são a própria velocidade $v$ e a pressão $p$, apenas? E no caso de assumirmos que as quantidades relevantes são $v$, $p$, $\rho$ e a temperatura $\theta$ do meio?
Em 1941, G. I Taylor, um famoso físico e matemático britânico, com grandes contribuições à mecânica dos fluidos, fez uma estimativa do rendimento da primeira bomba nuclear detonada pelos EUA, na chamada experiência Trinity. A estimativa foi feita apenas com análise dimensional e dados da evolução da frente de onda obtidos de uma filmagem da explosão. Assumindo que os únicos parâmetros relevantes para o cálculo do rendimento $E$ (energia despendida) são a densidade $\rho$ do ar, o raio da onda de choque $r=r(t)$ e o instante de tempo $t$, encontre uma relação adimensional entre essas quantidades.
Estimar o atrito na parede de um tubo é uma das tarefas mais comuns em aplicações de engenharia envolvendo fluidos. Para tubos longos circulares e ásperos em regime de escoamento turbulento, a tensão de cisalhamento no parede, $\tau_w$, é uma função da densidade $\rho$, viscosidade (dinâmica) $\mu$, velocidade média $V$, diâmetro do cano $d$, e da altura de rugosidade da parede $\varepsilon$. Assim, funcionalmente podemos escrever a relação $\tau_w = f(\rho, \mu, V, d, \varepsilon)$.
Usando o procedimento do Teorema de Buckingham-Pi, mostre como chegar nos grandezas adimensionais
$$ C_f = \dfrac{\tau_w}{\rho V^2}, \quad Re = \dfrac{\rho V d}{\mu}, \quad \varepsilon^* = \dfrac{\varepsilon}{d}, $$ 2. Conclua que a relação pode ser simplificada para $C_f = f^*(Re, \varepsilon^*)$. 3. Obs: $C_f$ é dito o coeficiente de atrito na parede; $Re$ é dito o número de Reynolds; e $\varepsilon^*$ dita a rugosidade relativa.
C. Dym, Principles of Mathematical Modeling, 2nd ed, Academic Press, 2004.
E. A. Bender, An Introduction to Mathematical Modeling, Dover, 1978.
G. Barenblatt, G. -- Scaling, Cambridge University Press, 2003.
Groesen, E. van, and Molenaar, J. -- Continuum Modeling in the Physical Sciences, SIAM, 2007.
T. Tao, A mathematical formalisation of dimensional analysis.